Por que damos presentes? O que esse hábito revela sobre nós

Dar presentes é um gesto universal.

É difícil encontrar uma cultura que não tenha algum tipo de ritual envolvendo trocas simbólicas. Não por acaso, o ato de presentear atravessa séculos, religiões e civilizações e resiste mesmo às transformações do tempo.

Na Roma Antiga, a Saturnália era marcada pela troca de lembranças entre amigos e familiares como um sinal de prosperidade.

Povos indígenas da costa noroeste da América do Norte realizam, até hoje, cerimônias potlatch, em que anfitriões distribuem generosamente seus bens.

Já no fim de ano, celebrações como o Natal, o Hannukah e o Kwanzaa colocam os presentes no centro do ritual —ao ponto de a Black Friday quase ganhar status de feriado.

Desde muito antes dos shoppings e das listas online, objetos como pedras, ossos e esculturas já eram oferecidos como prova de afeto, status ou até em forma de devoção aos deuses.

Porque, no fim das contas, dar algo a alguém sempre foi mais do que uma simples troca: é uma linguagem social.

Neste texto, exploramos o que a antropologia, a psicologia e a neurociência dizem sobre o ato de presentear (e o que esse gesto revela sobre nós).

A fascinação humana pelo presente

Pesquisas de comportamento apontam que a troca de presentes movimenta bilhões em todo o mundo.

Só no Brasil, o varejo bate recordes em datas como Dia das Mães e Natal. Em 2023, a Confederação Nacional do Comércio estimou que o Natal gerou R$ 66 bilhões em vendas, boa parte impulsionada pelo desejo de presentear. 

Seja um anel de noivado, uma lembrança de viagem ou um vale-presente numa data especial, o gesto de oferecer algo a alguém parece natural. Mas por que fazemos isso?

Raízes antopológicas do presentear e reciprocidade simbólica

presente de aniversário

O impulso de presentear vai além do consumo: está ligado a laços sociais, símbolos de afeto e códigos invisíveis de reciprocidade.

O antropólogo francês Marcel Mauss, em seu ensaio clássico “The Gift”, de 1925, foi um dos primeiros a analisar o presente como fenômeno social

Estudando sociedades tradicionais, Mauss concluiu que toda troca envolve uma tríade: dar, receber e retribuir.

Essas obrigações, argumenta ele, são fundamentais para a construção e manutenção de laços sociais, principalmente em sociedades pré-capitalistas. 

O ato de dar um presente cria uma dívida social, e a obrigação de retribuir garante o fluxo de bens e a formação de relacionamentos. Em resumo, o presente não é apenas um objeto, mas um contrato implícito.

Em um mundo onde relações são mediadas por gestos simbólicos, o ato de presentear continua sendo uma forma poderosa de comunicar afeto, status ou pertencimento.

A psicologia social reforça a ideia de que presentes funcionam como contratos silenciosos. A teoria da troca social propõe que nossas interações são moldadas por transações, não só materiais, mas emocionais. 

A retribuição também faz parte do gesto. Estudos indicam que, mesmo sem regras explícitas, quem recebe um presente costuma sentir a necessidade de corresponder, ainda que só mais tarde. 

Uma pesquisa publicada no Journal of Experimental Social Psychology mostra que muitas pessoas ficam desconfortáveis quando não conseguem compensar um presente imediatamente. 

Esse fenômeno, conhecido como expectativa de reciprocidade atrasada, reforça o presente como um elo, mesmo depois do momento da troca.

Neurociência do presente

O cérebro também participa ativamente do processo de presentear. 

neurociência do presente

Pesquisadores da Universidade do Arizona constataram que dar um presente ativa áreas ligadas ao circuito de recompensa — as mesmas associadas ao prazer, como a liberação de dopamina.

Dar algo a alguém que gostamos, portanto, literalmente nos faz sentir bem. E receber um presente inesperado também provoca um pico de bem-estar emocional, reforçando o vínculo entre as pessoas envolvidas.

Ver alguém abrir o presente que escolhemos também desperta um processo emocional e empático profundo.

Ainda que pouco explorada pela psicologia e neurociência, essa experiência envolve um componente emocional forte: ao presentear, buscamos provocar felicidade no outro, e sentimos satisfação quando acreditamos ter conseguido.

Esse processo passa por um mecanismo chamado tomada de perspectiva, que consiste em nos colocarmos no lugar da outra pessoa para imaginar o que a agradaria.

Conhecida também como empatia cognitiva, essa habilidade está ligada à compaixão e ajuda a fortalecer vínculos.

Quando dar presente falha: ansiedades e gafes

Apesar das boas intenções, o ato de presentear nem sempre é tranquilo. 

Um estudo recente desenvolvido por psicólogos da Universidade de Michigan propôs a Gift Reciprocation Anxiety Scale (GRAS), que mede o grau de ansiedade ligado à obrigação de retribuir um presente.

Ainda assim, e mesmo quando não acertamos em cheio, o gesto de lembrar do outro continua sendo valorizado. Em muitos casos, mais do que o objeto em si, é a intenção que fica.

Um estudo de 2021 conduzido por Ward & Broniarczyk, da Universidade do Texas, concluiu que presentes pequenos, mas personalizados, aumentam a intimidade entre quem dá e quem recebe, mais até do que opções caras, porém impessoais.

Essa descoberta ecoa na escolha de presentes afetivos como cartas escritas à mão, objetos artesanais ou lembrancinhas com valor emocional.

Veja também: 7 erros ao escolher presentes

Presentear em 2025: virtual gifts, lives e redes sociais

Os presentes também evoluíram com a tecnologia e a economia da atenção abriu espaço para novas formas de demonstrar afeto.

Hoje, os itens não precisam mais ser objetos físicos: podem ser assinaturas digitais, avatares, figurinhas em lives, pix simbólicos ou até curtidas em massa

presentes virtuais

Em plataformas de streaming como TikTok e Twitch, os chamados “presentes virtuais” movimentam uma economia simbólica cada vez mais relevante. 

Um estudo publicado na PLOS One analisou o envio de presentes virtuais em plataformas de streaming e concluiu que eles funcionam como “moedas sociais”, reforçando vínculos e reconhecimento público entre criador e audiência.

O estudo, feito com 331 usuários chineses, analisou os fatores que influenciam a intenção de enviar presentes virtuais nesses ambientes digitais.

Usando como base a teoria da troca social, os pesquisadores identificaram que elementos como a atratividade e a expertise dos streamers, a interação parasocial (sensação de intimidade percebida pelo espectador) e até a autoapresentação enganosa (tanto de quem transmite quanto de quem assiste) têm impacto direto sobre a decisão de presentear.

Nesse novo cenário, o ato de presentear ultrapassa o objeto e se torna uma ferramenta de conexão emocional, validação e pertencimento, mesmo que em formato digital.

O presente como linguagem universal

Mais do que um objeto, o presente é uma linguagem social. Uma forma diferente de dizer “penso em você”, “obrigado”, ou “quero estar perto” a outra pessoa. 

De sociedades tribais às redes sociais, ele atravessa culturas, se adapta ao tempo e permanece como um dos gestos mais poderosos de conexão.

No fim das contas, presentear é abrir um canal de troca. E talvez seja isso que o torna tão essencial — e tão humano.

Veja também: Presentes como linguagem do amor

Victoria Borges
Victoria Borges

Victoria Borges é jornalista e escreve para o Buscando Presente. Nas horas vagas, gosta de ler, fazer palavras cruzadas, pintar, ouvir podcasts e tomar sorvete.

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